sábado, 17 de janeiro de 2015

O papel transformador da educação no desenvolvimento do adulto

O conceito de ALV surge na década de 1970 com Paul Lengrand, quando reafirma a necessidade de cada indivíduo apender ao longo da sua vida quer em contexto formal ou informal, sendo este responsabilizado pelo seu próprio percurso educativo. Contudo, as novas exigências e as transformações do mercado de trabalho fazem com que a ALV esteja associada ao desemprego, à competitividade e à economia global.
Assim, a aprendizagem ao logo da vida é não só um instrumento de realização pessoal e aquisição da capacidade de exercer direitos de cidadania, como também serve a realização de objetivos económicos.
A União Europeia tem tido um papel de promoção da ALV no trabalho qualificante, abrangendo toda a atividade quer formal ou informal com o objetivo de melhorar os conhecimentos, as competências e as qualificações. Assim, segundo Eurydice (in Távora, 2012:30) a ALV caracteriza-se pelos seguintes elementos:
·    O indivíduo aprende ao longo de toda a vida;
·    Estão envolvidas nesse processo uma gama de competências, gerais, profissionais e pessoais;
·    Tanto os sistemas formais de educação e formação como as atividades não formais organizadas fora desses sistemas têm um papel a desempenhar no âmbito da cooperação entre os setores público e privado, especialmente a nível da educação de adultos;
·    É colocada a tónica na necessidade de proporcionar uma base sólida durante o ensino básico e despertar no indivíduo o gosto e a motivação para aprender.
Quando falamos de ALV temos de ter presente que esta sempre existiu mas como a conhecemos hoje  é um fenómeno recente, confundindo-se com o processo de vida de cada indivíduo. Pois, atualmente existe uma valorização e reconhecimento das modalidades não escolares, isto porque o sistema educativo não pode reduzir-se ao sistema escolar, nem a educação-formação limitar-se apenas a um período da vida de cada um, devendo neste contexto «formar-se»  fundir-se com a própria vida dos adultos.
Neste sentido, António Nóvoa (in Távora, 2012 :31) refere que a educação e formação de adultos rege‑se por os princípios orientadores seguintes:
·  O adulto em situação de formação é portador de uma história de vida e de uma experiência profissional;
·  A formação é sempre um processo de transformação individual, na tripla dimensão do saber: conhecimentos; capacidades e atitudes.
·  A formação é sempre um processo de mudança institucional, devendo desenvolver-se um contrato de formação entre as partes (equipas de formação, formandos e instituições);
·  A formação não é ensinar às pessoas determinados conteúdos, mas sim trabalhar coletivamente em torno da resolução de problemas;
·  A formação deve desenvolver nos formandos as competências necessárias para mobilizarem em situações concretas os recursos teóricos e técnicos adquiridos durante a formação.
Em Portugal, o conceito de aprendizagem ao longo da vida (ALV) é interpretado com duplo sentido: como um processo educativo e formativo; e como um quadro global de referência para o desenvolvimento do sistema educativo. O primeiro refere-se ao tempo de vida dos sujeitos desde a nascença até à morte. O segundo está associado à evolução da economia e da sociedade portuguesa.
Na década de 1980, a OCDE referiu que a formação de base relativa à formação de adultos era débil, onde a média nacional de analfabetismo literal seria de 9%.
Assim, segundo Lima (in Távora, 2012:32) «seria necessário que as políticas públicas de educação assumissem que o problema crucial a atacar (...) é muito mais complexo e difícil de superar: é o problema de políticas educativas para o controlo social».
Nesta perspetiva, a educação de adultos e do associativismo tendem a ser objeto de desvalorização e marginalização por parte das orientações políticas dominantes, visto que a responsabilidade da alfabetização dos adultos é do governo.
Em 1998, o governo decide lançar um programa para o desenvolvimento da educação e formação de adultos, criando a ANEFA, com o objetivo de uma articulação entre educação e formação. Embora a ANEFA tivesse como princípio a mediação entre a tutela e a sociedade civil, esta não intervinha no terreno e na multiplicidade de áreas inicialmente pensadas. Além disso, não demonstrou capacidades de assegurar o relançamento da educação e formação de adultos em Portugal.
Na última década, a política educativa tem vindo a assumir o objetivo da igualdade de oportunidades na sociedade portuguesa quer pelo alargamento dos anos de escolaridade do ensino básico e secundário, quer pelo recurso a modalidades diversificadas ao nível do ensino secundário, quer ainda pela expansão do ensino superior e pelo recurso sistemático a modalidades específicas de educação e formação dirigidas a adultos.
No entanto, constatou-se um problema de subcertificação da população adulta que justificou o reforço da oferta de educação e formação de adultos, bem como o alargamento das oportunidades de obtenção de certificações escolares e profissionais por via formal, sendo alargada a todos os cidadãos, em particular aos adultos menos escolarizados e aos ativos empregados e desempregados.
As preocupações com a formação integral do ser humano nos discursos da Educação Permanente foram substituídos por preocupações de natureza tecnocrática e economicista, associadas ao aumento da produtividade e empregabilidade, culminando com uma mudança de paradigma. Pois, atualmente, cada ser humano deve tornar-se num empreendedor, capaz de negociar o seu próprio capital e criar o seu próprio negócio, convertendo-se num ser competente ao invés de um mero negociador coletivo.
Assim, estamos perante uma transformação da noção de cidadania, que surge "amputada de direitos sociais e culturais" (Lima, 2005:74).
Consequentemente, a política de construção europeia subordina cada vez mais a educação a uma lógica economicista, ao serviço de uma política económica particular, diluindo-se cada vez mais os objetivos emancipatórios da formação e conduzindo a uma perspetiva empobrecedora dos fenómenos educativos.
O objetivo principal da Europa é ser a mais competitiva e dinâmica Sociedade do Conhecimento do mundo, articulando a dimensão do crescimento económico com a criação de emprego, sendo a aprendizagem ao longo da vida equacionada como instrumento fundamental para a concretização desta estratégia.
Desta forma, a cidadania é vista como um fim, sendo um patamar importante na medida que contribui para a consecução da meta europeia: «uma construção de uma economia baseada no conhecimento, mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos e com maior coesão social». Assim, o cidadão europeu deve ser capaz de partilhar esta cultura e relacionar-se com o mercado livre, facilitando a integração económica.
Callon, Lascoumes e Barthe defendem que a necessidade imperiosa de "democratizar a democracia" é sempre um horizonte inatingível a um trabalho inacabado, realçando que uma das fragilidades da democracia é a sua implementação acabar por produzir efeitos contrários aos propostos inicialmente. Neste contexto, Lima (2005:76) refere que «a democracia e a participação seriam tão indispensáveis à concretização de uma educação democrática quanto a educação democrática seria indispensável à realização da democracia e da participação»
Por outro lado, o trabalho aparece associado às ideias de empregabilidade e de espírito empresarial/empreendorismo. Em Portugal, o direito ao trabalho é um direito constitucionalmente consignado, que se transforma numa luta individual pelo trabalho, tendo as questões do emprego deixadas de ser consideradas problemas sociais para passarem a ser problemas individuais, cabendo a cada um responsabilizar-se pela sua situação face ao emprego/desemprego.
Nesta perspetiva, a educação e formação surge com funções essenciais como: relançar o crescimento; restaurar a competitividade; e restabelecer um elevado nível de emprego. No entanto, não é a formação que cria empregos, mas esta pode constituir uma vantagem individual competitiva na obtenção do emprego.
Atualmente, em Portugal os incentivos sociais à aprendizagem ao longo da vida, foram impulsionados em Março de 2000, quando a União Europeia, no Conselho Europeu de Lisboa, fixou o objetivo de constituir, até 2010, uma economia baseada no conhecimento, mais dinâmica e competitiva do mundo, de forma a garantir  um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos e com maior coesão social. Com a criação da "Estratégia de Lisboa", estabeleceram-se áreas prioritárias nomeadamente a educação e a formação.
Em 2002, com o "Processo de Copenhaga" iniciou-se o programa "Educação e Formação 2010". A nível europeu foram desenvolvidas várias ferramentas, como por exemplo, o Europass, o Quadro Europeu de Qualificações (EQF), entre outros. Ainda no mesmo ano, através do "Comunicado de Burges" foram criados Sistemas de Educação e Formação Profissional, também a nível europeu.
A nível nacional, com o D. Lei n.º 396/2007, foi criado o Sistema Nacional de Qualificações (SNC) de forma a promover a articulação entre a formação profissional inserida quer no Sistema Educativo quer no mercado de trabalho. A partir deste, a obtenção de uma qualificação poderia ser feita através do Catálogo Nacional de Qualificações (www.catalogo.anqep.gov.pt), de processos de RVCC ou de Reconhecimento de Títulos obtidos em outros países. Foi também criada uma vasta rede de Entidades Formadoras, tais como, a Agência Nacional para as Qualificações; Centros de Novas Oportunidades; Centros de Formação Profissional e de Reabilitação profissional de Gestão direta e participada, Estabelecimentos de Ensino Públicos, entre outras. Ainda hoje, a certificação destas entidades é tutelada pela Direção Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT) do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.
Para concluir podemos dizer que, a educação está inserida no campo dos bens económicos, individualmente administráveis. É neste sentido que a expressão "Educação ao Longo da Vida", cuja origem está nas preocupações da Unesco e do movimento de Educação Permanente, tem vindo a ser substituída por Aprendizagem ao Longo da Vida.



Referências Bibliográficas


Callon, M., Lascoumes, P. & Barthe, Y. (2001). Agir dans un monde incertain. Essai sur la démocratie technique. Paris: Le Seuil.

Lima, L. (2005). Cidadania e educação: adaptação ao mercado competitivo ou participação na democratização da democracia. Educação, Sociedade e Culturas, nº 23, 71-90.

Távora, A; Vaz, H. & Coimbra, J. (2012). A(s) crise(s) da educação e formação de adultos em Portugal. Saber & Educar, 17, 28-40

Terrasêca, M.; Caramelo, J. y Medina, T.(2011). Análise de Discursos Europeus sobre Educação e Formação de Adultos e Aprendizagem ao Longo da Vida. 


Sem comentários:

Enviar um comentário